O M. sempre apareceu ontem à noite. Quis-me contar outra história fabulosa, incrível, intensa, como justificação do seu desaparecimento precisamente há três semanas atrás. Mas não foi difícil que espontaneamente confessasse que estava alcoolizado quando os meus vizinhos se opuseram a que ele continuasse ali, às escuras, na escada de segurança, à minha espera.
Ficou admirado que eu lhe dissesse que já sabia por onde é que ele andava, que já o tinha localizado. Quando me perguntou porque é que eu não tinha ido procurá-lo respondi-lhe que, se ele tivesse 12 ou 15 anos, certamente o teria feito. Mas, com o dobro dessa idade, e com o que conhecia dele, sabia que ele um dia haveria de voltar. E que se sentiria muito melhor assim comigo, estar comigo por me procurar e não por ser por mim encontrado. Disse-lhe que eu estava tranquilo, que ainda agora sinto que não tinha feito fosse o que fosse para que ele se aborrecesse comigo e se fosse embora por isso. Perguntou-me se eu tinha ficado preocupado. Respondi-lhe que sim, enquanto ele não foi localizado. Afinal, eu gostava dele. Não sabia se ele estava morto, doente ou preso. Assim que disseram que o tinham visto, deixei de me preocupar. Estava vivo, a viver uma decisão dele. Claro que continuo a desejar que as coisas lhe corram bem e continuo disponível para o ajudar.
A mesma solidariedade de grupo que me ajudou a localizá-lo tinha também ajudado a, em menos de 24 horas depois de ter lançado o e-mail entre os Traquinas, no próprio dia em que ele desapareceu de minha casa, trazer-lhe três hipóteses de emprego!
Perguntou-me se tinha falado com a polícia. Sim, eu cheguei a pensar nisso, mas depois de falar com o J.F., que ele conhece, deixei passar mais algum tempo antes de o fazer. Entretanto, apareceu o primeiro telefonema a dizer-me que o tinham visto em Santa Apolónia.
Ele conhece bem os meandros por onde anda agora. Está à espera de perfazer três meses como “sem abrigo” para ter direito ao jantar!… Assim que chegou ao abrigo onde está agora, quiseram pagar-lhe o bilhete de comboio para S., ele disse que era de lá.
Pegou nas coisas dele, que encontrou no seu quarto, exactamente da mesma maneira como as tinha deixado ao fim das menos de 24 horas que se instalara em minha casa para começar, mais do que uma etapa de vida, uma vida nova. Afinal, sempre ali continuaram na esperança que ele mexesse nelas.
Juntei alguma comida aos seus pertences e fui pô-lo ao abrigo social onde agora se recolhe. Despediu-se a dizer que me vai telefonar dia sim, dia não.
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